A mística dos cinco sentidos e o desafio de enfrentar o nosso analfabetismo emocional

Segundo Dom José Tolentino, poeta português e bibliotecário da Santa Sé, na conferência de encerramento do primeiro dia da celebração do 75º aniversário da revista “Vida Religiosa”, a constatação de nosso analfabetismo emocional exige, mais do que nunca, o cultivo de uma mística dos cinco sentidos, ou seja, cheirar, tocar, olhar, escutar e saborear a Deus… E, para ele, o místico é aquele ou aquela que não pode deixar de caminhar.

(Publicada por Religion Digital, em 01/03/2019, matéria assinada por Jesus Bastante e traduzida por Edward Guimarães para o Observatório da Evangelização)

Cheirar a Deus, tocar Deus, olhar para Deus, ouvir Deus, saborear a Deus. “É possível que o cheiro de Deus nos leve a Deus?”, perguntou-se o poeta português José Tolentino nesta tarde. O bibliotecário da Santa Sé encerrou o primeiro dia do 75º aniversário da revista ‘Vida Religiosa’, desenhando um mapa das emoções e sentimentos do crente, do homem e da mulher espiritual, “que não se esquece dos cinco sentidos”.

Em um belo discurso sobre os sentidos e a sensibilidade, em que ele misturou parágrafos bíblicos com tratados de biologia, engenharia, versos de Sofía de Mello e pensamentos de Fernando Pessoa e Susan Sontag. Música, aromas, proximidade… Porque para “sentir a Deus” é necessário “sentir com Deus” e com o que nos rodeia. “Nós nos tornamos analfabetos emocionais”, disse o autor de “O Hipopótamo de Deus” (Narcea) e “Para uma espiritualidade dos sentidos” (Fragmenta).


Teologia do Corpo

Tolentino falou sobre uma teologia do corpo que se afasta de “visões demasiadamente espiritualistas” que vêem superficialmente o corpo “como uma mera cobertura externa do princípio espiritual, ou como uma prisão da alma”. “São nossos corpos que rezam, não apenas nossos pensamentos”, recordou o poeta arcebispo, que enfatizou que, como os antigos já assinalaram, “abrir as mãos já é orar, abrir os olhos já é orar”.

“A excessiva interiorização da experiência espiritual e o distanciamento do corpo e do mundo permanecem, em grande medida, características marcantes da espiritualidade praticada hoje.”

Assim, ele conclamou ao cultivo de “uma mística com os olhos abertos”, que “não se dirige a um Deus distante”, mas que se torna “uma declaração de amor à vida”. “O místico é aquele, ou aquela, que não pode deixar de andar”. Além disso, é aquele que ao contemplar, “transforma o mundo em uma janela”.

Quando a espiritualidade não esquece os cinco sentidos, por José Tolentino

Portanto, o místico autêntico é aquele que vive “a experiência integral da vida”. “O místico deve estar atento e comprometido com a dor do mundo”, com “uma espiritualidade encarnada, mas todavia desapegada, gratuita e livre”, insistiu Tolentino.

“Esta liberdade exige uma compreensão da interdependência, que é tão difícil de perceber, entre micro e macro, próximo e distante, dentro e fora, nosso e dos outros, atividade e descanso, silêncio e palavras, quietude e gesto, imobilidade e viagem, primavera e inverno, fome e pão, agora e depois”.

“O místico é aquele que descobre que não pode deixar de andar”, ele clamou, interpelando a vida religiosa a responder ao desafio de “uma nova composição, na qual o corpo e a alma, a razão e o sentimento, são reconhecidos, valorizados e integrados em sua verdadeira unidade. Não se trata de negá-los, nem de redirecioná-los a uma unidade confusa. Trata-se, ao contrário, de buscar a harmonia”.

Entre nós e Deus há um espaço vazio, nú

“A experiência mística é experiência de nudez, supõe uma confiança, não é uma garantia”, como a fé. “Os místicos sabem que Deus está ausente. Entre Deus e nós há um espaço vazio, nú. Nós nos movemos nesse espaço, o essencial está além”, disse ele. Portanto, como Sofía de Mello sublinhou: “Eu acredito na nudez da minha vida”.

A partir daí, Tolentino encorajou “arriscar uma nova síntese, propor, a partir do ato de acreditar, mas também do ato de viver, uma nova gramática espiritual. Já temos o modelo: levar nossa humanidade mais a sério, como uma narrativa de Deus que vive neste momento “.

“Somos analfabetos, precisamos de uma nova gramática”, acrescentou, enfatizando que “Deus é cúmplice de nossa intimidade”. “Nos tornamos emocionalmente analfabetos. Não sei sentir, não sei ser humano, como escreveu Fernando Pessoa “, lamentou. “Não chegou a hora de compreender melhor o que une sentidos e sentido?”

“As pessoas consagradas precisam olhar novamente para o corpo que somos, a profecia do amor incondicional, porque somos, em nosso corpo, a gramática de Deus… O Evangelho nós aprendemos através do corpo e dos sentidos, não apenas mentalmente. Nós somos. Precisamos redescobrir que somos, em nosso corpo, gramática de Deus”.

Fonte:

www.religiondigital.org

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