Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois (I)

Na noite do primeiro dia do VI Colóquio de Teologia e Pastoral, 07/05/2018, o teólogo e historiador da Igreja, Prof Dr. Pe. José Oscar Beozzo, proferiu a Conferência de Abertura, no auditório Dom Helder Camara, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.

A seguir, a síntese elaborada pelo prof. Edward Guimarães, das duas primeiras partes do texto “Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois” publicado no livro:

GODOY, Manoel; AQUINO JÚNIOR, Francisco. 50 anos de Medellín. Revisitando textos, retomando o caminho. São Paulo: Paulinas, 2017, pp. 09-27.

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Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois

(1ª Parte)

Depoimentos e balanços significativos atestam que a consciência da relevância eclesial, social e política da Conferência de Medellín continua viva e crescente ao longo das últimas cinco décadas.

 

I – Medellín no calor da hora

Dom Helder deixou-nos um vívido relato daqueles dias, escritos no calor da hora, no qual, além de compartilhar, com inquietação, as controvérsias e incertezas que pairavam sobre os rumos da Conferência, traça seu balanço pessoal da Conferência. Captou imediatamente o sentido excepcional daquele evento: as Conclusões de Medellín terão para a América Latina sentido comparável ao dos documentos do Vaticano II para o mundo inteiro.  Nas palavras de Dom Helder, por um lado, haviam ameaças:

O Santo Padre, em sua vinda a Bogotá (para o Congresso Eucarístico Internacional e a abertura oficial da 2ª Conferência), nas suas 20 e tantas alocuções, mais freou do que abriu… O documento de trabalho, preparado com extremo cuidado (houve um documento preliminar elaborado por técnicos de grande valor; este documento, enviado às Conferências Episcopais ligadas ao Celam, de todas recebeu pareceres e observações; uma Comissão de 80 Bispos e Peritos pôde, então, transformar o documento preliminar em Documento de Trabalho), estava sendo atacado, de público, por Episcopados inteiros: da Argentina, da Colômbia, da Venezuela… Dos três legados do Papa, os dois Cardeais eram sabidamente conservadores e extremamente prudentes; o Cardeal Samoré fez-se cercar de vários  colaboradores, Bispos e Sacerdotes, que levavam às Varias Comissões sua palavra de… recomendação e advertência; Os primeiro avisos, as primeiras medidas deixavam entrever completo controle das Conferência pela CAL (Pontifícia Comissão para a América Latina).

Mas, por outro, para Dom Helder, havia elementos que favoreciam:

D. Avelar, no Discurso de abertura, apoiado pelos técnicos, teve a inspiração salvadora de dar uma interpretação inteiramente positiva das Alocuções do Papa (o que foi coragem: a  seu lado, o cardeal Samoré não escondia a desaprovação e o descontentamento). Sem este Discurso, as Alocuções do Papa pesariam, negativamente, durante toda a Conferência; houve, é claro, distribuição estratégica de Bispos e Peritos pelos vários Grupos de Trabalho. o método de trabalho adotado pelo Celam foi perfeito e montado a nosso favor: duas palestras, de gente nossa, criando clima, mentalizando; sete palestras, praticamente todas de gente nossa (menos uma) comentando o documento de trabalho… Vieram as observações (os modos): foram examinados por Bispos e Peritos. Vieram as votações prévias, as votações definitivas. Repetiu-se o milagre do Concílio: temos grandes textos, que servirão de esplêndido ponto de apoio para tudo o que há de urgente e importante a empreender na América Latina. Tornou-se impossível, honestamente, chamar-me de subversão e comunista, sem, ao mesmo tempo, taxar de subversivo e comunismo toda a Hierarquia Latino-americana… Entre os fatores positivos, guardei o maior, o Espírito Santo era quase tangível; os Anjos eram quase visíveis! Apelara tanto para a Rainha dos Anjos! Te Deus! Magnificat!.

Para o teólogo José Comblin, a Conferência de Medellín pode ser considerada a ata de nascimento da Igreja latino-americana, com seu rosto próprio, sua identidade, suas opções pastorais, suas comunidades de base, a leitura popular da Bíblia, a Teologia da Libertação, sua luta pela justiça e seus mártires.

 

II – Balanço da recepção nas duas décadas seguintes

  • A Semana de Estudos CELAM realizada de 23-28 de fevereiro de 1976 produziu um substancioso estudo da recepção de Medellín, publicado num volume de mais de 500 páginas (CELAM, Medellín. Reflexiones en el CELAM. MADRID, 1977).
  • Aos dez anos de Medellín, em 1977, a Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina (CEHILA) fez um simpósio sobre a sua recepção na Igreja da América Latina, em Melgar, Colômbia (RICHARD, Pablo (org.) La Iglesia latino-americana de Medellín a Puebla. Bogotá: CODECAL/CEHILA, 1979).
  • Enrique Dussel, presidente da CEHILA, publicou um alentado volume sobre a primeira década após Medellín (DUSSEL, Enrique. De Medellín a Puebla, uma década de sangue e esperança. São Paulo: Loyola, 1983).
  • No marco dos vintes anos de Medellín, há um balanço feito pelo CEHILA sobre a herança de Medellín, publicado em número especial da Revista Eclesiástica Brasileira sob o título “Medellín, vente anos depois” (REB 48, 1988-4).

A preparação para a III Conferência do Episcopado Latino-americano, convocada para acontecer em Puebla, México, aos dez anos de Medellín, desatou um profundo processo de debate, rejeição e recepção de Medellín. Travou-se uma verdadeira batalha eclesial no sentido de manter viva a herança de Medellín e de suas intuições mais decisivas… Perfilavam-se os propósitos do novo Pontificado de João Paulo II (1979-2005), que apontavam para o que João Batista Libanio chamou de “a volta à grande disciplina” e a tentativa de enquadramento da Igreja Latino-americana (LIBANIO, João Batista. A volta à grande disciplina. São Paulo: Loyola, 1984)… Se Medellín significou o batismo da Igreja da América Latina, Puebla pode ser considerada a celebração da sua confirmação.

A minoria do Concílio acabou impondo-se no centro romano. Difundiu-se, a partir daí, como única legítima a interpretação que encontrou acabada, formulação às vésperas do Sínodo Extraordinário de 1985, aos vinte anos da clausura do Vaticano II, no livro de entrevistas do Cardeal Joseph Ratzinger ao jornalista Vittorio Messori, Rapporto sulla Fede (MESSORI, Vittorio. A fé em crise: O cardeal Ratzinger se interroga. São Paulo: E.PU., 1985; BEOZZO, José Oscar (org.) Vaticano II e a Igreja Latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1985).

 

Prof. Edward Guimarães

Secretário Executivo do Observatório da Evangelização

 

Continuação:

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